Novos procedimentos RNP APCH no aeroporto Santos Dumont permitem que as aeronaves voem trajetórias sinuosas
Por Jorge Filipe de Alemida Barros
Já estão publicados, desde 3 de maio de 2012, os novos
procedimentos de aproximação RNP para o aeroporto Santos Dumont, no Rio
de Janeiro (RJ). Eles foram desenvolvidos para atender a uma demanda
antiga desse aeródromo, cujas condições de clima, relevo e posição
geográfica historicamente impedem o pleno aproveitamento da sua
capacidade de operação. E permitem que as aeronaves voem trajetórias
sinuosas, traçadas com o objetivo de evitar o sobrevoo de relevo
acentuado, enquanto descem para altitudes menores do que as dos
procedimentos convencionais. Tais procedimentos fazem parte de um
projeto da ICAO (
Internacional Civil Aviation Organization) que prevê a mudança na metodologia da radionavegação. A nova metodologia chama-se PBN (
Performance Based Navigation)
e se baseia na técnica de navegar entre coordenadas geográficas, em vez
de bloquear auxílios à navegação. Para ser capaz disso, os equipamentos
embarcados devem considerar os sinais dos VOR/DME e/ou satélites
dedicados de forma contínua e automática, processando-os num computador a
bordo. O processo irá definir a posição da aeronave, em coordenadas
geográficas, e não mais por rádios ou QDR. As sucessivas informações de
posição permitem ao computador identificar rumo, velocidade no solo,
raios de curva da aeronave etc. Portanto, o PBN retira do piloto a
incumbência de analisar ponteiros e deduzir a posição aproximada de sua
aeronave.
O equipamento a bordo pode ter diferentes níveis de complexidade.
Os mais simples navegam apenas lateralmente, ou seja, identificam os
deslocamentos horizontais da aeronave e projetam o rumo sobre uma imagem
de um mapa móvel, mas não contabilizam as variações de altitude. Resta
ao piloto, então, comandar na hora certa a subida ou a descida, por meio
da ação direta no manche ou pelo piloto automático. Para realizar as
aproximações RNP (
Required Navigation Performance), do tipo
aprovado no Rio de Janeiro, o equipamento da aeronave deve ter
capacidade de seguir as trajetórias horizontais e verticais,
estabelecidas nas cartas de aproximação. Essas cartas devem estar
carregadas na base de dados do computador. Ou seja, o piloto não deve
tocar nos comandos enquanto o computador envia os dados ao piloto
automático. A manutenção do centro dessas trajetórias depende do nível
de PBN aplicado na rota a ser voada. Podem ser aceitos erros laterais na
execução da navegação em rota, chegadas (STAR) e aproximações de acordo
com os valores que as cartas permitem. Rotas publicadas como RNAV 5, 2
ou 1 permitem que o equipamento de bordo pratique um erro máximo
respectivo aos números, em milhas náuticas. Da mesma forma as chegadas
já publicadas como RNP 1 ou as aproximações RNP 0,3 ou 0,1. Essas
últimas são chamadas de RNP APCH (RNP APPROACH).
No aeroporto Santos Dumont, os novos procedimentos são do tipo
RNP APCH 0,1, indicando que o equipamento deve ter condições de se
manter dentro de um erro lateral máximo de 0,1 milha náutica (cerca de
18 metros horizontais). A aviônica instalada pode se basear em sinais
dos satélites de navegação GPS (EUA) ou GLONASS (Rússia), em sinais de
VOR/DME da região do aeroporto, de informações de sistemas inerciais ou
de todos eles combinados. Tratando-se de satélites, há de se considerar
os erros de posição, causados pela refração sofrida pelos sinais ao
atravessarem a ionosfera e a reflexão provocada pelo relevo acidentado,
dentre outros. Por isso, as trajetórias verticais previstas nas
aproximações RNP tratadas aqui ainda devem se basear nos altímetros. Mas
num futuro breve, quando o sistema de aferição do sinal GPS (ainda em
teste no aeroporto vizinho do Galeão) estiver certificado, o Decea
poderá permitir que as trajetórias verticais considerem a altimetria
GPS. Isso poderá reduzir a DA (
Decision Altitude) de 300 pés atuais para apenas 100 pés. Ou seja, o desempenho será compatível com aproximações ILS CAT I.
Ora, sabemos que sistemas ILS exigem a instalação de várias
antenas em sítios distantes entre si, significando altos custos de
manutenção e vulnerabilidades diversas, como a falta de espaço físico
disponível ou mesmo danos causados por vandalismo. Nesse aspecto, as
aproximações RNP APCH são mais eficazes, uma vez que podem ser
estabelecidas para todas as pistas de um aeródromo, sem necessidade de
grandes investimentos de infraestrutura. Mas há uma vantagem em especial
que as distingue: a possibilidade da aproximação final ser realizada em
trajetórias curvilíneas. Numa aproximação ILS, a aeronave precisa estar
estabilizada por volta de 10 milhas náuticas, já alinhada com a
cabeceira. No RNP APCH, no entanto, as manobras são realizadas mais
próximas do aeródromo, com trajetórias inteligentes e mais seguras.
PBN se baseia na técnica de navegar entre
coordenadas geográficas, em vez de bloquear auxílios à navegação.
Abaixo, um dos novos procedimentos de aproximação RNP para o aeroporto
Santos Dumont publicados pelo Decea
Ainda que a facilidade de execução seja maior, há de se ter cuidados
adicionais no preparo da aeronave e tripulação. Se a boa qualidade dos
sinais emitidos pelos auxílios no solo é garantida pelo Decea, o órgão
ainda não tem como garantir a integridade do sinal do sistema GPS, uma
vez que ele não nos pertence. Por isso, a aviônica deve estar equipada
com
softwares que realizem testes e identifiquem falhas. Esses
recursos devem também verificar contradições entre os sinais recebidos
dos auxílios e de sistemas inerciais. Um equipamento embarcado, aprovado
como RNP, deve possuir recursos de identificação de erros laterais
máximos, que uma vez ultrapassados façam disparar alertas visuais e
sonoros. Cabe ao piloto analisar os variados níveis de degradação da
capacidade de navegação e proceder conforme o que tiver sido
estabelecido pela sua companhia aérea. Isso exige treinamento específico
para cada local onde o RNP APCH será realizado. Por isso, os novos
procedimentos discutidos aqui são chamados RNP APCH "AR", ou seja,
aeronave e tripulação devem estar aprovados para realizá-lo na
localidade pretendida. Ainda que publicados em caráter ostensivo, só
podem ser praticados pelos operadores aprovados pela Anac.
Mais do que um novo tipo de procedimento, o RNP APCH AR pode ser o
início de uma nova era. Veio para permitir o aumento substancial de
movimentos nos aeroportos e poderá provocar uma nova abordagem na
discussão da infraestrutura aeroportuária.
Aeromagazine