O
tema é sempre presente em rodas de pilotos. Aviões equipados com
apenas um motor são mais ou menos seguros do que aqueles impulsionados
por dois? Discussões apaixonadas se formam com frequência e, como tal,
nem sempre se atêm aos detalhes técnicos. O argumento de que dois
motores geram mais segurança é poderoso. Mas se falhavam com relativa
frequência nas primeiras décadas do século 20, hoje as técnicas de
ensaios de certificação, monitoramento de desempenho e manutenção
preventiva garantem uma confiabilidade bem maior.
Um
bimotor não desenvolve necessariamente mais velocidade do que um
modelo equivalente com apenas um motor. Se compararmos o Beechcraft
Baron G58 com seu irmão Bonanza G36, por exemplo, vamos observar que as
velocidades aerodinâmicas de cruzeiro são próximas entre si. No POH
(pilot operating handbook) do Baron, a velocidade de cruzeiro a 8.000
pés, com o regime recomendado, é de cerca de 175 nós, a mesma
encontrada nas publicações do Bonanza. Mas nem sempre a velocidade é o
principal critério de escolha. Empresas aéreas buscam atender a suas
demandas específicas, como capacidade de carga, custos operacionais,
atendimento à regulação aeronáutica, dentre outras. O operador privado
brasileiro, no entanto, adota lógicas de tomada de decisão ligeiramente
diferentes. Normalmente considera aspectos como a simplicidade de
manutenção, histórico de acidentes, preço de revenda ou mesmo o seu
gosto pessoal pelo modelo. O conforto e a sensação de segurança são
fatores importantes para esse operador. Alguns acreditam que com dois
motores estarão mais seguros. Mas será que é assim mesmo?
Dois motores podem elevar a capacidade de carga nos aviões
Os
motores aeronáuticos atuais se beneficiam do conhecimento adquirido
por décadas de estudos dos acidentes e dos erros de operação e de
manutenção. Na medida em que os fabricantes e autoridades aeronáuticas
aprendem, emitem boletins que, uma vez aplicados, tornam os motores
mais confiáveis. Apenas para exemplificar, até os anos 1970, o piloto
não tinha condições de saber o desempenho preciso do seu motor em tempo
real. Hoje, com tecnologias de monitoramento, é possível saber com
exatidão as temperaturas em cada cilindro ou cada seção quente da
turbina, controlar parâmetros que tenham excedido o limite ou o
desgaste de componentes por meio de testes em solo.
Um
motor bem-cuidado pode valer por dois malcuidados. E essa questão
adquire grande importância em cenários nos quais faltam recursos
técnicos ou cultura aeronáutica. O mau trato aplicado a alguns motores
pode explicar a alta incidência de falhas identificadas nas
estatísticas de acidentes. Em 2011, as falhas de motor em voo
contribuíram para cerca de 40% dos acidentes no Brasil. Ainda há, em
algumas poucas oficinas, a cultura de aplicação de partes não aprovadas
nas inspeções gerais de motores, bem como a omissão de inspetores de
manutenção nos trabalhos realizados pelos mecânicos e até casos de
conivência com pequenas falhas recorrentes. E isso nos remete à séria
reflexão.
Dois
motores produzem mais força e, com isso, podem elevar a capacidade de
carga nos aviões. Salvo exceções, não estão instalados no mesmo eixo
longitudinal. Por isso, na falha de um deles, é de se esperar uma
assimetria na força de tração gerada pelo empuxo. E é nesse ponto que os
aviões multimotores podem ser mais vulneráveis. A assimetria eventual
precisa ser reequilibrada com a pronta ação do piloto, que deve fazer
diminuir rapidamente o arrasto produzido pelo deslocamento lateral da
aeronave. Se não conseguir, o motor que ainda desempenha força não será
capaz de produzir a velocidade aerodinâmica mínima e o avião “estola”.
Ou seja, o piloto que conduz um avião bimotor deve estar apto a
conduzi-lo em duas configurações diferentes: com empuxo simétrico e
assimétrico. Isso exige treinamento recorrente e acaba por elevar os
cursos de operação.
É
difícil alguma estatística provar que monomotores sejam mais seguros
que bimotores ou vice-versa. No entanto, a AOPA (Associação de
Operadores e Pilotos de Aeronaves) produziu um documento, no qual se
analisa os acidentes da aviação geral norte-americana no período de
1994 a 2003. Constatou-se que o número de acidentes com aviões
monomotores foi bem superior ao de bimotores, por existirem em maior
quantidade. Porém, para cada dez acidentes, apenas um produzia a morte
de alguém. Já os acidentes com bimotores, embora tenham ocorrido em
menor número, causaram a morte de pelo menos um ocupante em 50% dos
casos.
Um motor bem-cuidado pode valer por dois malcuidados
O
voo sobre áreas remotas ou oceanos normalmente é aprovado apenas para
aviões multimotores. Nesses cenários, é preferível o risco de voar com
assimetria de empuxo do que a ausência total dele. Mas aí entram alguns
diferenciais importantes. As aeronaves voam a altitudes muito elevadas e
são movidas a motores a jato, com estatísticas ínfimas de falhas se
comparadas aos motores a pistão. E operadas por tripulações com
treinamentos específicos para a rota. Bem diferente dos cenários da
aviação geral, com um número maior de pousos e decolagens, realizados
em situações diversas.
Ainda
assim, a história registra casos em que aeronaves bimotoras de grande
porte, operadas por tripulações bem-treinadas, foram protagonistas de
incidentes graves e acidentes. Em 1983, um Boeing 767 da Air Canada
teve seus dois motores apagados por falta de combustível (erros de
cálculos do DOV) e foi conduzida em voo planado pela sua tripulação a
uma base aérea canadense. Em janeiro de 2009, uma aeronave Airbus A320
colidiu com um bando de gansos na decolagem do aeroporto de La Guardia,
em Nova York, e teve seus dois motores apagados. Acabou pousando no
rio Hudson e passou para a história como um dos mais bem- sucedidos
pousos forçados. Mas outro bimotor, modelo Airbus A330, operado pela
Air France, caiu no Oceano Atlântico em junho do mesmo ano.
Supostamente causado por perda de controle, o acidente se deu por
avarias em seus sistemas depois de adentrar formações meteorológicas
pesadas.
A
experiência do SIPAER (Sistema de Investigação e Prevenção de
Acidentes Aeronáuticos) tem mostrado que a segurança está intimamente
ligada às práticas de operação previstas nos manuais, somadas ao um
gerenciamento de risco criterioso.
Fonte: AEROMAGAZINE
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